Câmara Clara
Outra pequena história da fotografia
Geoffrey Batchen
Aqueles de nós interessados em oferecer um quadro histórico apropriado para a fotografia enfrentam uma verdadeira montanha de problemas metodológicos. As peculiaridades da fotografia – a sua replicação fiel daquilo que vê, a sua articulação simultânea com passado, presente e fututo, a sua capacidade de infinita reprodução e alteração de forma, o número infinito dos seus produtos – representam um desafio historiográfico aparentemente insolúvel. Implodindo realidade e representação, tempo e espaço, a fotografia foi descrita por alguém como Roland Barthes como “uma revolução antropológica na história do Homem”, um “tipo de consciência verdadeiramente sem precedentes”.1 E, no entanto, a variedade da fotografia e a sua reticente ubiquidade fizeram dela uma entidade histórica difícil de descrever, desafiando as tradicionais estruturas interpretativas ou narrativas.
Como é que, afinal de contas, se escreve uma história da “consciência”? Como é que se escreve a história de algo que escapa a uma definição fácil, que não tem fronteiras discerníveis e opera no princípio da reflexão (como é que, por exemplo, se separa uma fotografia daquilo que retrata ou do contexto que envolve a sua recepção?) Como é que se inventa uma voz (ou vozes) para esta história, que possa falar dos efeitos emocionais da fotografia, bem como das suas características formais e físicas e ramificações económicas e políticas? Como é que se pode falar a partir de uma posição local e ainda assim abranger o alcance global da fotografia? Como é que se pode incorporar as diversas maneiras pelas quais a fotografia tem sido usada e compreendida em todo o mundo, bem como as diferentes fotografias que circulam no interior da nossa cultura? O conjunto destas questões constitui o problema que agora enfrenta a nossa disciplina; a necessidade de uma transformação sistemática na maneira como a história da fotografia é representada, de forma a que essa história possa, pela primeira vez, lidar com a fotografia nos seus muitos aspectos e manifestações. Quero propor aqui que um dos lugares onde podemos procurar por um modelo para conceber uma tal história é a pequena história da fotografia de Barthes, no seu último livro Câmara Clara.
Eu cheguei até a ouvir que Câmara Clara era a pior coisa que alguma vez tinha acontecido ao discurso fotográfico, precisamente porque o livro parece abandonar o compromisso inicial de Barthes com a análise política das imagens, em favor de um hedonismo textual. E é de facto verdade que Câmara Clara – com a sua declarada insatisfação com a sociologia, semiologia e psicanálise como sistemas de análise, o seu tom epicuriano e autobriográfico, o seu interesse em formular “o traço fundamental, universal, sem o qual não haveria fotografia” (CL, 9) – poderia parecer em todos os aspectos a antítese do trabalho deste mesmo autor a partir dos anos 50 e 60. Tendo aparentemente abandonado tanto a ciência da semitótica como a política do marxismo, o Barthes de Câmara Clara persiste na natureza do meio fotográfico, como ele refere na primeira página, “para aprender, a todo o custo, o que era a fotografia ‘em si mesma’, e qual o traço essencial pelo qual ela seria distinguida da comunidade de imagens” (CL, 3). Ele persegue o seu “desejo ontológico”, como ele lhe chama, através das suas respostas pessoais a várias fotografias (perversamente, a mais importante destas sendo um retrato da sua recentemente falecida mãe enquanto jovem, nunca chega a ser reproduzida)
Tudo isto parece muito diferente da análise ideológica penetrante que motivou os ensaios que encontramos noutro trabalho de Barthes, Mythologies. Apesar desta aparente divergência de objectivos, quero defender que existe de facto uma política sustentada que se desenvolve em Câmara Clara, e que esta política se encontra na forma como Barthes lida com a história; proponho, por isso, que Câmara Clara é melhor entendido não tanto como um livro de teoria crítica mas como uma história da fotografia – ou, para ir um passo mais longe, como uma história sobre fotografia.
A maioria das discussões acerca de Câmara Clara tende a focar-se no problema da distinção entre studium e punctum, e nos apontamentos e floreados retóricos de Barthes. E então, claro, há a inegável atracção pelo sub-tema do livro: a morte (a morte da fotografia, a morte da sua mãe, a sua própria morte).
Este enfoque, e o facto de que Câmara Clara não se parece com a típica história tem, suspeito eu, desviado a atenção da estrutura maior do livro e da sua cuidadosamente calibrada história da fotografia.
É de mencionar, por exemplo, que Câmara Clara é composta de duas partes iguais, cada uma dividida em 24 secções. Uma metade do livro é assim o reflexo da imagem da outra. Uma tal estrutura não é única na história das pequenas histórias da fotografia. Como Sabine Gölz fez notar, o ensaio de 1931 de Walter Benjamin 'A Little History of Photography,‘ emprega o mesmo tipo de divisão. Numa comparação da versão final impressa com um manuscrito anterior, Gölz defende que Benjamin chegou a mudar alguns páragrafos de sítio para se assegurar que a sua definição crucial de aura permanecia no exacto ponto intermédio do texto, tornando-se o centro nevrálgico em torno do qual gira o seu argumento principal, acerca do potencial político da fotografia. Gölz também descreve como a densa montagem de referências e metáforas estratégicas de luz e sombra de Benjamin se destinam a ‘fotografar’ textualmente, ou assimilar, leitor e autor, como se estivéssemos a olhar para a superfície reflectora de um daguerreótipo e nos víssemos a nós próprios a olhar.2
Como Barthes, Benjamin escolhe ilustrar a sua história com fotografias relativamente banais.3 No entanto, estas imagens induzem-no a um número de leituras poéticas, como se também Benjamin procurasse explicar o efeito punctum da sua própria resposta subjectiva a certas fotografias. Ele fala, por exemplo, do “desejo incontrolável” despertado nele pela fotografia de Hill e Adamson de uma mulher de um pescador de Newhaven e, ainda mais poderosamente, de “uma vontade irresistivel” de procurar numa imagem de Dauthendey e da sua noiva sinais do futuro suicídio desta. Ele procura, continua ele, “os vestígios mais ténues de contingência, do Aqui e Agora, com os quais a realidade tem, por assim dizer, marcado o sujeito, para encontrar o ponto discreto onde, na imediatez desse momento há muito esquecido, o futuro subsiste de forma tão eloquente que nós, olhando para trás, podemos redescobri-lo.”4
Este estonteante intrincado temporal é, uma vez mais, uma reminiscência da descrição de Barthes das suas próprias experiências fotográficas em Câmara Clara.
Outras correspondências entre estas duas pequenas histórias são mais subtis. Carolin Duttlinger, por exemplo, apontou para o facto de que Benjamin ‘identifica mal’ (diz ela deliberadamente) a mulher que está com Dauthendey na fotografia e que inspirou as suas rapsódias temporais. Porque essa mulher é na verdade a sua segunda esposa e não a mãe dos seis filhos de Dauthendey e que acabou por cometer suicídio. Benjamin tinha recolhido as informações de uma nota biográfica esrita por um filho de Dauthendey mas aparentemente escolhe, interessado em criar um delírio ‘fotograficamente induzido’, não se lembrar exactamente do que ali tinha lido. A fotografia acaba por induzir uma resposta emotiva a outra coisa qualquer que não ela mesma.5
Barthes é também culpado de uma falha estratégica de memória. Como Margaret Olin e outros reconheceram, Barthes recua a uma fotografia reproduzida antes no seu livro e apercebe-se que “o verdadeiro punctum era o colar que ela usava…um fino cordão de ouro torcido“ (CL, 53). Contudo, se nos dermos ao trabalho de recuar para ver essa imagem, vemos que ambas as mulheres na fotografia de Van der Zee estão na verdade a usar pérolas. O cordão de ouro de que ele se lembra é, ao invés, usado pela sua tia, e não em Câmara Clara mas numa fotografia familiar reproduzida em Roland Barthes by Roland Barthes. Olin liga esta passagem de uma fotografia para a outra a uma possibilidade mais perturbadora – que a famosa fotografia do Jardim de Inverno, da mãe de Barthes, nunca chegou realmente a existir.6 Será que Barthes só a concebe como arquétipo ficcional, como arqueo-fotografia? Seja real ou imaginária, o seu lugar no livro é um espaço no qual todos os leitores projectam o seu próprio punctum, protagonizam a sua própria relação primária com um ente querido. Parece que tanto Barthes como Benjamin estão dispostos a atravessar a fronteira da ficção quanto isso lhes convém; isto é, eles mentem quando isso lhes permite descrever uma verdade maior.7
Apesar destas várias similitudes, Barthes escusa-se notoriamente a fazer referência ao trabalho de Benjamin na sua bibliografia ou em notas marginais (ambas as quais não constam, infelizmente, da edição inglesa). 8 Contudo, a dualidade estrutural de Câmara Clara repete obedientemente os próprios interesses persistentes de Barthes quanto ao pensamento binário.
“Durante algum tempo”, escreve Barthes na sua obra Roland Barthes by Roland Barthes, “ele deliciou-se com o binarismo; o binarismo tornou-se para ele uma espécie de objecto erótico.”9 Vemos as provas deste eroticismo no uso frequente de Barthes de pares de termos como forma de descrição, especialmente nas suas descrições do funcionamento das fotografias: denotação/conotação e studium/punctum são os exemplos mais evidentes.10 Por isso, não será surpresa encontrar Barthes manifestando o mesmo binarismo com a infra-estrutura de Câmara Clara. Mas o que ainda tem de ser decidido é a função desta estrutura e o significado da sua dualidade.
Existem 24 fotografias ilustradas a preto e branco em Câmara Clara, juntamente com uma única reprodução a cores de uma imagem Polaroid pelo fotógrafo francês Daniel Boudinet. É interessante considerar por um momento esta selecção de imagens, desligadas do texto que explica o seu significado no livro. As ilustrações aparecem-nos em intervalos regulares e sem uma ordem cronológica particular. Dez delas são do século dezanove, sendo a mais antiga (que Barthes, erroneamente, chama de “a primeira fotografia”) datada de 1823 e a mais recente, incluindo o trabalho de Boudinet, tirada em 1979, ano em que o livro foi escrito. Assim, enquanto afirma, numa declaração que ficaria famosa, que faria da “medida do conhecimento fotográfico” apenas ele próprio, (CL, 9) Barthes oferece, no entanto, aos seus leitores uma amostra completa da fotografia, com exemplos de 1820, 1850, 1860, 1880, 1890, 1900, 1920, 1930, 1950, 1960 e de 1970. Uma recolha nada má, para uma selecção que pretende ser arbitrária e inteiramente pessoal.
É claro que certos fotógrafos, e logo certos tipos de fotografia, são privilegiados nesta selecção. Há quatro imagens de Kertész, por exemplo, e duas de Nadar, de Wessing, de Avedon, de Mapplethorpe e de Klein. Existem também fotografias de fotógrafos desconhecidos. Já ouvi queixas acerca do mau gosto de Barthes, acerca da mediocridade burguesa das suas escolhas. Sucede que Barthes tem algo a dizer quanto ao papel do gosto no seu livro, afirmando ser capaz de transformar as suas preferências pessoais numa “ciência do sujeito”, numa “generalidade”. (CL, 18).
A contínua popularidade do livro, apesar da banalidade da sua selecção de imagens, poderia dar algum crédito à sua afirmação. Certamente, ao fazer de si mesmo um elemento retórico tão central no seu olhar sobre a fotografia, Barthes torna-nos conscientes do seu papel autoral, como escritor e como curador.
Isto é invulgar nos livros de história, que habitualmente preferem adoptar um tom de objectividade distanciada, como se a história falasse dessa forma magicamente por si mesma. Não é o caso de Câmara Clara, que abre com uma perspectiva na primeira pessoa do “maravilhamento” do autor com a relação contígua que a fotografia mantém com o passado e onde a voz de Barthes se ouve ao longo de todo o livro. Estamos sempre conscientes dele como produtor do texto que lemos e da completa subjectividade do relato histórico que é feito, tendencioso e contestável.
Barthes está também ansioso por realçar o seu amadorismo; ele fala, diz-nos, não como um fotógrafo mas do ponto de vista do Espectador, como um homem comum. A sua selecção de imagens parece igualmente amadora, preservando em grande medida o seu próprio gosto e interesses (e de acordo com isso mesmo, a sua bibliografia inclui uma edição de 1976 da Rolling Stone, bem como livros de Lacan e Proust). Mais à frente no livro, contudo, ele reclama um privilégio especial para o seu gosto – o gosto do amador – pelo menos no que respeita à prática fotográfica: “é o amador...que é a horizonte do profissional, porque é ele quem está mais perto do noema da Fotografia”. (CL, 99).
O que está implicado em Câmara Clara é que o historiador Amador é igualmente privilegiado e capaz de produzir conhecimentos sobre a fotografia para além da capacidade do experimentado profissional.
Olhando para as imagens que Barthes escolhe como ilustrações, não há dúvida que ele prefere falar de foto-jornalismo e retrato – isto é, de formas públicas da fotografia – e não tanto de géneros visualmente mais inovadores.
Estes são na maioria tipos de fotografias familiares, do tipo que se encontra no jornal diário ou numa pesquisa casual de certos livros de fotografia populares (ele retira muitas delas, na verdade, da mesma edição especial de 1977 do Nouvel Observateur onde tinha lido uma tradução francesa da ‘Little History” de Benjamin). Mas as suas escolhas são ainda afectadas politicamente de várias maneiras interessantes.
Um retrato de Avedon, por exemplo, é, diz-nos Barthes, de um homem nascido escravo, enquanto outro retrata um lider laboral Afro-Americano que acabava de falecer (“Leio um ar de bondade”, diz Barthes, “nenhum impulso de poder: isso é certo” CL, 110). Outro retrato de grupo é apenas de um fotógrafo Afro-Americano relativamente ignorado, James van der Zee, que Barthes relaciona com lutas por justiça racial.
Outras imagens mostram líderes políticos (a Rainha Victória) e assassinos políticos (Lewis Payne). Também temos duas cenas do conflito na Nicarágua, em 1979, à data o mais recente lugar da ambição imperialista Americana. Nenhuma destas é uma escolha inocente. Nem o são as referências ocasionais de Barthes aos seus desejos homo-eróticos (“a fotografia é bonita, assim como o rapaz” CL, 96). Uma vez mais, a presença do pessoal e o estreitamento das escolhas, funcionam como sinal para o leitor de que a sua selecção não é – não o pode ser – compreensiva nem o pretende ser. Isto distingue a abordagem de Barthes daquela adoptada pela maioria dos historiadores, que apresentam a sua selecção como “A”, em vez de “Uma”, história da fotografia.11
O facto de esta selecção de fotografias ser idiossincrática sugere que a escolha não é tão importante como a forma como são analisadas. A História, para Barthes, é um modo de leitura e não um desfilar de obras-primas evidentes em si mesmas. O que isso implica é que estas selecções pictoriais podiam ser alteradas uma e outra vez e que, se cada um de nós conseguisse desenvolver a capacidade de leitura crítica, todos nós poderíamos ser os curadores da nossa própria história da fotografia. Câmara Clara demonstra, por outras palavras, essa mesma passagem de poder do autor para o leitor, que Barthes tinha advogado já em 1968 no seu famoso ensaio 'The Death of the Author.'12
O que é mais surpreendente na sua selecção, contudo, é o seu total desinteresse na prática avant-garde (note-se a ausência, por exemplo, de qualquer coisa classificada abertamente como arte) e isto, suspeito eu, é visto por alguns críticos como sendo a sua verdadeira ofensa.
A suposição por trás de tal criticismo é a de que a prática avant-garde é, por definição, prática política. A função da boa história da arte é privilegiar o avant-garde histórico na história do meio e assim fornecer um modelo (tanto artístico como social e político) para acções similarmente transgressoras no presente. Apesar da sua própria associação com a literatura avant-garde e pintura abstracta, Barthes não parecia convencido da eficácia desta abordagem à história da fotografia. Talvez ele reconhecesse que uma história normativa que privilegia a prática avant-garde, mesmo aquelas práticas que a determinada altura contestaram o estabelecido no seu tempo, é ainda uma história normativa. Apenas está a alimentar uma economia no mundo da arte, para quem tais avant-gardes ‘mortas’ são apenas bens de consumo, intelectuais ou do género.13
Em Câmara Clara, Barthes parece interessado em explorar a possibilidade de inventar uma forma avant-garde de história, não fornecendo, uma vez mais, uma história das imagens avant-garde. Em qualquer caso, o objectivo deste livro é descobrir a natureza da experiência fotográfica. A fotografia, argumenta ele, é uma experiência oferecida por cada fotografia, por muito modesta ou pobremente composta que ela seja. Uma avaliação das fotografias, o privilegiar-se as boas sobre as más, passaria completamente ao lado da questão.
A bibliografia em La Chambre Claire cita a edição de 1964 da obra de Beaumont Newhall The History of Photography, publicada pelo Museum of Modern Art e ainda o modelo fundador da maioria das nossas histórias predominantes da fotografia. Exemplos recentes do género por Michel Frizot e Mary Warner Marien acrescentaram fôlego à história de Newhall, mas mantiveram a sua estrutura narrativa cronológica (com as inevitáveis pistas progredindo linearmente) e o seu sistema de valor histórico-artístico, com as suas ênfases nas origens e na originalidade.14 Na realidade, este tipo de histórias dizem-nos muito pouco sobre o seu objecto; ao invés, dizem-nos bastante acerca de alguns fotógrafos seleccionados e um pouco sobre algumas fotografias individuais.
A história aqui está subjugada às exigências da biografia e da arte, em vez de ser moldada pelas qualidades específicas do seu objecto. São-nos apresentados fotógrafos (os mestres) e as fotografias (as obras-primas) mas nada nos é ditto acerca da fotografia, do fenómeno histórico e da experiência cultural.
E é precisamente sobre isso que, em poucas páginas, Câmara Clara nos fala em abundância. Barthes tinha um interesse intenso e sustentado pela história e pelo lugar que nela ocupa a fotografia. Em Câmara Clara ele repete o seu argumento de que “é o advento da Fotografia – e não do cinema, como tem sido dito – que divide a história do mundo.” (CL, 88) Assim, no esquema histórico de Barthes, o estudo da fotografia apresenta uma urgência e importância prementes e as suas ruminações pessoais acerca desta ou daquela fotografia tomam um peso inesperado, já que carregam toda a história da vida moderna. Adicionalmente, ao adoptar a voz do Espectador comum, Barthes dá início ao começo de uma história da recepção da fotografia. Ele não nos diz apenas como é uma fotografia, ele também diz como é que a fotografia é sentida, pelo menos por ele. Dessa forma, ele abre toda a questão da experiência fotográfica – das emoções provocadas pelas fotografias – como algo próprio do domínio dos historiadores críticos.
Agora, toda esta avalanche de sentimento e emoção, com pronomes na primeira pessoa e autobiografia, está destinada a enervar alguns académicos. Não só roça o narcisismo, como também perde a ligação retórica com a ciência objectiva que confere às histórias na terceira pessoa, como as de Newhall, o seu tom académico e capacidade de persuasão (Câmara Clara, pelo contrário, oferece uma fotografia capaz de nos fazer chorar.) Mas esta é precisamente a posição que Barthes quer afirmar, em que o pessoal deve ser levado a sério como o campo dentro do qual o político opera.
Mas esta viragem para o pessoal está também na forma como Barthes acompanha a teoria do índice de Charles Sanders Peirce, crucial para a definição ontológica de Barthes da fotografia. “Estou a olhar para olhos que olharam para um Imperador” (CL, 3), é a resposta de Barthes à fotografia do irmão de Napoleão.
Este maravilhamento, diz-nos ele, foi o que despoletou a escrita do resto do livro. Um índice, diz Peirce, “é uma relação dinâmica (inclusivé especial) entre um objecto individual, por um lado, e os sentidos da memória de uma pessoa, para quem ele serve de sinal, por outro...Psicologicamente, a acção dos índices depende da associação por contiguidade.”15 A noção de Peirce de semiose indexical anula qualquer distinção clara entre um referente e as associações psicológicas a ela aduzidas por um observador. Na teoria semiótica de Peirce, por outras palavras, não existe real fora da actividade de representação. Paralelamente, não existe actividade de representação sem os sentidos “da memória de uma pessoa, para quem ele serve de sinal.” Uma oscilação equivalente entre fotografia e observador, e entre texto e leitor, é um elemento central da discussão de Barthes ao longo de Câmara Clara.
Isto leva-nos de volta à questão da política. No seu ensaio de 1971 “Mythology Today”, Barthes apresenta uma crítica dos seus próprios esforços anteriores de desmistificação. Barthes defende aí que “já não são os mitos que precisam de ser desmascarados…é o próprio signo que deve ser abanado; o problema não está em revelar o significado (latente) de uma afirmação mas em romper a própria representação do significado”. 16 Como ele diz, “o campo histórico de acção é assim alargado: já não a esfera (estreita) da sociedade Francesa, mas muito para além disso, histórica e geograficamente, a própria civilização Ocidental”. A tarefa, defende ele, “consiste já não em simplesmente em destruir ou concertar a mensagem mítica...mas, pelo contrário, mudar o próprio objecto, produzir um novo objecto, um ponto de partida para uma nova ciência.”17 A sua discussão sobre fotografia em Câmara Clara, que ele afirma ser da ordem de “uma nova ciência para cada objecto” (CL, 8), deve ser também vista como uma contribuição para esta ‘nova ciência’.
Consideremos novamente a decisão de Barthes de dividir o seu livro em duas partes iguais, uma sendo a retracção da outra. No início do livro, ele diz-nos que “a Fotografia pretence aquela classe de objectos laminados cujas duas folhas não podem ser separadas sem que ambas sejam destruídas: o envidraçado da janela e a paisagem e, porque não: o Bem e o Mal, o desejo e o seu objecto: dualidades que conseguimos perceber mas não percepcionar.”(CL, 6).
Segue-se a sua conclusão de que “esta teimosia do Referente em estar sempre lá”, esta relação especial entre um coisa e o seu traço indexical, é o que constitui a essência da fotografia, a qualidade que a distingue de todos os outros sistemas de representação, a qualidade que faz da fotografia um tal “tipo de consciência sem precedentes.”
O seu modo de análise ao longo de Câmara Clara – na verdade, a própria organização do livro – simula portanto o que ele vê como o “traço mais fundamental “ da fotografia (CL, 9) – a economia binária da sua composição.
Note-se, por exemplo, o dualismo da sua demanda pela essência da fotografia, procurando-a primeiro numa pluralidade de fotografias e depois no seu oposto exacto, isto é, nas qualidades de apenas uma fotografia, um dualismo a que é dado uma forma concreta no livro, com a sua divisão em duas partes iguais.
De maneira semelhante, ele abre o livro com uma reprodução a cores da fotografia sem título de Boudinet, mas não apresenta nem um título nem qualquer comentário textual. Compare-se isto com o seu extenso comentário à fotografia da sua mãe que nunca chega a reproduzir; em Câmara Clara, uma aparece como o duplo da outra. De facto, a presença ausente da fotografia do Jardim de Inverno é um vazio no qual cada leitor projecta as suas próprias imagens banais, de tal forma que zero e infinito se revezam sem cessar. Desta forma, Barthes oferece um espaço textual no qual pode caber toda a história da fotografia sem que uma única imagem dela seja reproduzida.
A escolha do título também merece uma análise cuidada. Uma Câmara Clara é um instrumento de desenho inventado antes da fotografia. Constitui-se de um prisma de vidro que foca a luz reflectida para o seu interior de uma cena e de um papel colocados por baixo do instrumento, sendo que estas duas fontes de luz são depois fundidas na parte de trás de retina de um observador.18 É um instrumento no qual se vê a a imagem apenas no olho da mente, tornando a experiência totalmente privada e individual. Barthes escolhe preversamente este termo para este aparato desprovido de camera e este olhar-para-dentro, para representar um livro ostensivamente dedicado à nossa experiência comum de olhar para imagens de uma máquina fotográfica. Para onde quer que olhemos, o livro está carregado com binários deste género, onde cada termo é apresentado como o inverso de outro.
Sucede que tal dispositivo estruturante também simula a relação binária entre negativo e positivo que está no âmago de tantas fotografias (de forma inseparável num ambrótipo ou num daguerreótipo). De forma a poder abordar de forma incisiva a experiência da fotografia, Câmara Clara está também estruturado como uma fotografia; enquadrado pela anterior tensão futura que o autor identifica com a fotografia (Barthes está morto e vai morrer), este livro tornou-se, antes de tudo, um objecto fotográfico.
Em si mesma – esta estratégica reiteração do pensamento binário – não é particularmente notável. As administrações Bush e Blair têm-se mostrado, por exemlpo, ansiosas por insistir numa clara separação entre Bem e Mal – os mesmos termos conjurados por Barthes para descrever a fotografia - para justificarem as mortes de mais de 65.000 civis Iraquianos ao longo dos últimos quarto anos.19 Este uso particular da retórica binária servirá particularmente para nos lembrar que a política está sempre pronta mesmo a este micro-nível, porque, como bem sabemos agora, cada oposição binária surge-nos como uma hierarquia ordenada para servir interesses políticos explícitos. Não faz grande sentido contestar o argumento maior, se não se abalar a lógica que o sustém, onde quer que a encontremos em acção. Neste caso, minar a economia política que separasse impecavelmente o bem do mal, é minar também a racionalização do assassínio sancionado pelo Estado. E é precisamente esta contínua implosão de termos binários que Barthes consegue orquestrar ao longo de Câmara Clara.
Se o livro de Barthes se assemelha de facto a uma fotografia, será nesse caso melhor encarado como um daguerreótipo, exigindo uma constante mobilização das suas partes constituintes, de forma a se tornar naquilo que é. “A Fotografia”, diz-nos ele, “representa aquele momento tão súbtil em que... não sou nem sujeito nem objecto, mas um sujeito que se sente tornar-se objecto.” (CL, 14). Esta indecisão mantém-se na sua discussão do punctum: ele começa por distingui-lo do studium, “esse campo tão vasto de desejo despreocupado, de vários interesses, de gusto inconsequente.”(CL, 27), habitualmente uma colecção de traços visuais intencionalmente codificados na fotografia pelo fotógrafo e reconhecidos pelo espectador como uma consequência de um conhecimento cultural partilhado. Punctum, como todos sabemos (tendo o termo tornado-se um desses clichés cansados no discurso fotográfico), é um elemento que de alguma forma quebra ou pontua o studium, “esse elemento que se ergue da cena, que sai disparado como uma flecha e me atinge.” (CL, 26). Magoa-o, dando-lhe um prazer misturado com dor, uma espécie de extâse. Não que o punctum seja uma coisa fácil de apreender. Barthes, por exemplo, descreve-o como um instrumento (“como uma flecha”) e como o vestígio do seu impacto (“esta ferida…esta marca”), isto é, ao mesmo tempo uma coisa e o seu índice, um falo e um “pequeno buraco” (CL, 26-27). O punctum, ao que parece, tem uma conotação sexual, ao passo que o studium, diz ele, “é da ordem do gostar.” (CL, 27).
Esta distinção entre studium e punctum, entre significado partilhado e privado, intenção e acaso, tem preocupado muitos leitores fiéis.20 Mas qualquer pessoa que morda o anzol e mantenha esta distinção, separando um do outro – falando, por exemplo, “do” punctum –passa ao lado da complexidade do argumento principal de Barthes. Porque o que interessa aqui não é a diferença entre studium e punctum, mas a economia política da sua relação (o que importa é precisamente a sua inseparabilidade pós-estrutural).
Após vários refinamentos da sua definição – “muitas vezes, o punctum é um detalhe” (CL, 43), mas um detalhe que pode também “preencher toda a imagem” (CL, 45), mesmo se apenas “depois do facto” (CL, 53), olhando para trás - Barthes chega ao que ele chama de “a sua última coisa acerca do punctum” (CL, 55): “seja ou não accionado, é uma adição: é o que eu adiciono à fotografia e o que, apesar de tudo, já lá está.” (CL, 55).
De facto, na versão Francesa de Câmara Clara, Barthes chama-lhe “suplemento” em vez de simplesmente adição. Esta palavra foi escolhida de forma bastante significativa e nada inocente.21 Consignar o punctum à lógica do suplemento é deslocá-lo da certeza, é colocá-lo em movimento, virando-o para si mesmo. O elemento mais importante da fotografia é também, aparentemente, algo suplementar, desnecessário, adicionado aos requisitos.
Como o referente, está na fotografia e não está, é tanto natural (matéria da ciência indexical) quanto cultural (trazido à fotografia pelo observador humano) e, por isso, nem uma coisa nem outra. E de facto, não é senão na Segunda Parte que Câmara Clara destrói as distinções que a Primeira Parte se esforçou tão laboriosamente para estabelecer. “Sei agora,” diz ele, “que existe um outro punctum...um novo punctum, que não é já de forma, mas de intensidade, é o Tempo”. (CL, 96). O que estava antes confinado a apenas algumas fotografias seleccionadas é, reconhece ele, um elemento constituinte de todas elas.
A fotografia que o atinge com mais força, a infâme fotografia da sua mãe Jardim de Inverno, é também uma das mais banais, tão banal que ele não no-la poderá mostrar – é, para nós, não mais do que studium. Sucede que a mesma fotografia pode ser simultaneamente studium e punctum (uma está sempre já na outra), da mesma forma que cada fotografia, independentemente do seu assunto, fala, não só do que-já-foi mas também da catástrofe da morte no futuro. Barthes poderá separar studium de punctum tanto quanto Saussure pode manter a sua separação de significado e significante; toda a fotografia, tal como todo o signo, é produzido dentro do jogo dinâmico desta relação impossível, desta assombração de um pelo outro.22
Esta dinâmica, mais do que o entusiasmo momentâneo de um novo vocabulário, é o legado mais dificil e potencialmente mais produtivo que Câmara Clara oferece a uma nova geração de historiadores da fotografia. Dificil porque a lógica de suplementaridade, onde nem dentro nem fora, essência ou contexto, são permitidos para determinar a identidade da fotografia, é tão dificil de entender e tão dificil de manter num trabalho que se produza. Productivo, porque a este nível, dentro do grão que faz qualquer fotografia funcionar de forma significantemente como uma fotografia, esse trabalho político tem agora de ser combatido.
A História continua a ser um lugar poderoso para esse trabalho, como fica evidente na forma como Barthes leva a cabo a sua representação da sua pequena história da fotografia. Abandonando a narrativa linear e cronológica, as afirmações ilusórias da compreensão, e os valores hierárquicos da maioria dos estudos em fotografia, esta é uma história guiada por uma única pergunta por responder: o que é a fotografia? Ao inserir esta ansiedade ontological no coração da narrativa, Barthes não estabelece previamente nenhuma direcção para essa narrativa. Ao invés, os leitores são conduzidos numa demanda – com um pouco de uma ruminação filosófica, um pouco de história social, um pouco de cultura visual, um pouco de romance de detectives – que fala tanto acerca deles próprios (acerca da “consciência”) como da fotografia.
À semelhança do que Benjamin fizera antes, Barthes esconde-se na própria carne da fotografia, ao aceitar muitos dos seus atributos mais salientes, postos em movimento, estes atributos tornam-se os princípios estruturantes do seu texto. Dessa forma, ele envolve directamente a disseminção e a recepção da fotografia, assim como a sua produção, combinando todos os seus vários aspectos, sejam eles visíveis (imagens e práticas) ou invisíveis (efeitos e experiências). Ele olha primeiramente para fotografias vulgares, em vez de obras-primas, abrindo todo o campo da fotografia à análise e abandonando a dependência nos preconceitos da histórica da arte. Pretendendo ser apenas representativo, Barthes até prefere a possibilidade de uma história baseada em apenas uma (não vista) fotografia. Em resumo, a abordagem histórica demonstrada por Câmara Clara produz uma história que é na realidade sobre a fotografia e não sobre fotografias.
E qual é a história de Câmara Clara? Aparecendo em 1980, o livro foi escrito num momento decisivo na história da história da fotografia. Em finais de 1970, a fotografia, tanto como objecto histórico e prática professional, tinha-se institucionalizado completamente, tendo encontrado finalmente um nicho seguro nas universidades, nas escolas de arte, no mercado, em museus, bem como na generalidade da cultura. Por várias razões, esta proliferação gerou por sua vez uma ansiedade acerca do futuro da fotografia entre a sua intelligentsia, evidenciada igualmente nas práticas da arte moderna e pelo ensino auto-consciente da história.23 As ramificações desta viragem são ainda hoje debatidas, de todas as formas possíveis. “A apoteose da fotografia como um meio – por outras palavras, o seu sucesso comercial, académico e museológico – aparece precisamente no momento em que ela é capaz de superar a própria noção de meio e de emergir como objecto teórico porque heterogéneo. Mas num segundo momento, não muito distante historicamente do primeiro, este objecto irá perder a sua força desconstrutiva ao passar do campo de uso social para a zona bizarra da obsolescência”. 24
A “condição pós-medial” proposta aqui por Rosalind Krauss junta a “morte da fotografia”, a “pós-fotografia” e a “fotografia depois da fotografia”, como frases forjadas pelos académicos para descrever uma crise de identidade na fotografia que terá surgido nos anos 60 do século passado, mas que só terá tornado totalmente aparente com a introdução da tecnologia digital nos anos 80.25 Não que as mudanças tecnológicas em si mesmas tenham acabado com a fotografia, foram apenas um aspecto de um processo maior de transformação epistemológica e social que resultaram que a fotografia já não pode simplesmente ser apenas ela mesma. Por outras palavras, Câmara Clara aparece em cena tal como a fotografia que procurava descrever estava prestes a desaparecer. Como Joan Fontcuberta escreveu: “a metamorfose dramática do grão de prata para o pixel, representa nada mais que um ecrã que esconde a evolução na conjuntura que concedeu à fotografia um contexto cultural, instrumental e histórico.”26
Tanto Benjamin como Barthes associam intimamente a fotografia à história, e as suas pequenas histórias com a sua própria experiência de fotografias reais, como se o destino de uma dependesse da forma da outra. Então o que acontece se assumirmos que Fontcuberta tem razão, que “toda a conjuntura” da fotografia, o próprio contexto que lhe deu significado como fotografia, se metamorfoseou de facto noutra coisa? Será que a “Fotografia” já desapareceu, transformada no fantasma da sua anterior identidade?
“Já desapareceu”, diz Barthes em 1979. “Eu sou, não sei porquê, uma das suas últimas testemunhas…e este livro o seu vestígio arcaico.” (CL, 94). De que fotografia exactamente estamos nós a tentar hoje ser testemunhas? Quais são as identidades contemporâneas, as economias políticas, as formas físicas e conceptuais, deste fenómeno, com cuja história tentamos nós envolver-nos e como se fosse nossa? Qualquer estudo sobre fotografia escrito depois de Câmara Clara é assombrado por tais perguntas, tão certamente como pelo espectro da imagem fotográficas. O que nós ainda não sabemos é como se deve responder a estas perguntas.
É justo dizer que estamos actualmente num momento que se vê a si mesmo como sendo pós-modernista, mas que tem ainda de atrair o fardo de um nome próprio ou a motivação de uma política actuante. A invenção de uma tal política e, com ela, de uma “historicidade” apropriada aos tempos em que vivemos, continua a ser a tarefa mais crítica para enfrentar a presente geração de historiadores da fotografia. Mesmo vinte e cinco anos depois da sua primeira publicação, creio que Câmara Clara permanece um bom lugar para se começar.
Notas
1. Barthes, 'Rhetoric of the Image,' (1964), Image Music Text, trans. Stephen Heath (London: Fontana, 1977), 44.
2. Sabine Gölz, 'Incendiary Reading: Close-ups of Walter Benjamin's "Little History of Photography",' seminário aberto ao público, ministrado no CUNY Graduate Center, Nova Iorque, a 3 de Outubro de 2003. ‘A Little History of photography’ foi publicado pela primeira vez no Literarische Welt, nas edições de Setembro e Outubro de 1931. Foi primeiramente publicado em Inglês, numa tradução de Stanley Mitchell, que o apresenta como ‘A Short History of Photography,’ em Screen, 13: 1 (Primavera de 1972). Foi depois traduzido por Paul Patton como ‘A Short History of Photography’ em Artforum (Volume 15) em Fevereiro de 1977 e por Edmund Jephcott e Kingsley Shorter como ‘A Small History of Photography’ e publicado entre os ensaios em One-Way Street and Other Writings (London: New Left Books, 1979).
3. Já disucti noutras ocasiões que as fotografias banais, precisamente pela falta de imaginação evidenciada na própria fotografia, podem servir para transferir o fardo do pensamento imaginativo do artista para o observador. São um convite aberto a ver para além de um primeiro olhar. Isto pode conduzir-nos à seguinte afirmação paradoxal: quanto mais banal a fotografia, maior a sua capacidade de nos induzir a exercitar a nossa imaginação. Este paradoxo talvez ajude a explicar porque escritores tão criativos como Walter Benjamin (que preferiu o trabalho do fotógrafo comercial Jean-Eugène-Auguste Atget), Jorge Luis Borges (que ilustrou um livro com as fotografias mais banais alguma vez produzidas pelo seu compatriota Horacio Coppola), e W.G. Sebald (que era conhecido por escolher ilustrações extremamente desinteressantes para os seus livros), como Roland Barthes (que ilustrou Câmara Clara com imagens notoriamente triviais); todos eles escolheram fotografias pouco imaginativas para acompanhar os seus textos. Ver 'Dreams of Ordinary Life: Cartes-de-visite and the Bourgeois Imagination,' em Martha Langford ed., Image and Imagination (Montreal: McGill-Queen's University Press & Le Mois de la Photo, 2005), 268.
4. Walter Benjamin, 'A Small History of Photography' (1931), One-Way Street and Other Writings, tradução por Edmund Jephcott e Kingsly Shorter (Verso, 1978), 43.
5. Carolin Duttlinger, 'Benjamin and Barthes: Towards a Science of the Particular?,' um artigo apresentado na Conferência 'Thinking Photography-Again', na Universidade de Durham, Reino Unido, em 9 de Julho de 2005. Ver ainda André Gunthert, 'Le complexe de Gradiva: Théorie de la photographie, deuil et résurrection,' Etudes Photographiques, No. 2 (May 1997), 115-128.
6. Margaret Olin, 'Touching Photographs: Roland Barthes's "Mistaken" Identity,' Representations, 80 (Fall 2002), 99-118. Vale a pena notar que, embora reproduza uma selecção generosa dos retratos de família de Barthes, um catálogo recente da exposição do Centre Pompidou não nos mostra (porque não pode?) a fotografia Jardim de Inverno. Ver Marianne Alphant e Nathalie Léger eds., R/B: Roland Barthes (catálogo de exibição, Paris: Centre Pompidou, 2002).
7. Olin sugere que talvez a fotografia Jardim de Iverno seja, uma vez mais através de um salto mental, uma pose de pé de uma imagem de Franz Kafka com seis anos, mencionada por Benjamin na sua ‘Pequena História’. Kafka aparece de pé, numa especial de paisagem de “jardim de inverno”, do tipo construído com os cenários num estúdio de um fotógrafo. Como Duttlinger tem apontado (ver nota 7 acima), Benjamin discute esta fotografia de Kafka em dois textos, e num deles, torna-se alias o próprio Kafka; isto é, projecta-se a si mesmo na fotografia através de uma explicação na primeira pessoa da pose e do cenário. Olin defende que Barthes, de forma semelhante, transpõe uma fotografia de si mesmo em rapaz para uma fotografia desaparecida da sua mãe com cinco anos. Ver Olin, ibid, 111.
8. A “Pequena História” de Benjamin's foi na verdade publicada numa tradução Francesa numa edição especial do Nouvel Observateur (No. 2, Novembro de 1977). Barthes inclui esta revista na bibliografia da sua obra La Chambre Claire e inclui ainda dois dos ensaios que também faziam parte daquela edição, mas nunca menciona o nome do texto de Benjamin nem reconhece a sua dívida para com ele [o texto].
9. Roland Barthes, Roland Barthes, tradução de Richard Howard (New York: Hill and Wang, 1977), 51.
10. Para esta discussão acerca de denotação e conotação, ver Barthes, 'Rhetoric of the Image,' 32-51. Num paralelo surpreendente com studium e punctum, Barthes estabelece uma relação binária igualmente complexa entre plaisir e jouissance no seu livro The Pleasure of the Text, publicado pela primeira vez em 1973. Ver Roland Barthes, The Pleasure of the Text, tradução de Richard Miller (New York: Hill and Wang, 1975).
11. Os títulos das histórias escapam, de facto, muitas vezes ao controle do autor. Para a discussão sobre como os títulos das suas histórias foram escolhidos, ver, por exemplo: Beaumont Newhall, Focus: Memoirs of a Life in Photography (Boston: Bulfinch Press, 1993), 177, e Michel Frizot, 'A Critical Discussion of the Historiography of Photography,' Arken Bulletin, Vol. 1 (2002), 58-65.
12. Roland Barthes, 'The Death of the Author' (1968), Image Music Text, 142-148.
13. Ver mais no meu texto 'Art since 1900: review,’ em The Art Bulletin , LXXXVIII: 2 (Junho 2006), 376-377.
14. Michel Frizot ed., A New History of Photography (Cologne: Könemann, 1998). Mary Warner Marien, Photography: A Cultural History (New York: Prentice-Hall, 2002).
15. Charles Sanders Peirce, 'Logic as Semiotic: The Theory of Signs' (c.1897-1910), em Justus Buchler ed., Philosophical Writings of Peirce (New York: Dover, 1955), 107-108.
16. Roland Barthes, 'Change the Object Itself: Mythology Today' (1971), Image Music Text, 167.
17. ibid, 169.
18. Ver o meu texto 'Detours: Photography and the Câmara Clara,' em Afterimage, 18: 2 (Setembro de 1990), 14-15.
19. Ver o meu texto 'Requiem,' em Afterimage, 29: 4 (Janeiro/Fevereiro de 2002), 5. Embora as estimativas quanto ao número de cidadãos Iraquianos mortos em consequência da invasão conduzida pela América varie consideravelmente, o New York Times cita o Iraq Body Count quando alega que pelo menos 30.051 civis foram mortos entre 2003 e Outubro de 2005. Ver Sabrina Tavernise, 'Rising Civilian Toll Is The Iraq War's Silent, Sinister Pulse,' New York Times (October 25, 2005), A12. Em Janeiro de 2007, a Associated Press divulgava que as Nações Unidas tinham estimado que 34.452 de civis Iraquianos tinham sido mortos no Iraque no ano de 2006, e 36.685 feridos. Ver o artigo “34, 452 Iraqi Civilians Killed in 2006, U.N. Says,” do New York Times (16 de Janeiro de 2007).
20. Poucos destes leitores, contudo, se dirigem à política estratégica que motiva o estabelecimento de uma tal divisão. Embora a lógica da sua própria narrativa deite por terra qualquer distinção entre estas duas experiências da fotografia, Barthes argumenta que, dada a “explosão do privado para o público”, há uma intenção política, uma “resistência necessária”, por trás dos seus esforços em “reconstituir a divisão entre público e privado.” Ver See Camera Lucida, 98.
21. A escolha de Barthes por esta palavra particular não pode deixar de conjurar o trabalho do seu compatriota Jacques Derrida, e em particular do trabalho de Derrida 'supplementary reading' das Confessions de Rousseau em Of Grammatology, publicado pela primeira vez em 1967. Como Barbara Johnson o colocou, Derrida mostra como “a lógica do suplemento desmonta a simplicidade das oposições binárias metafísicas.” Ver Jacques Derrida, Of Grammatology, tradução de Gayatri Chakravorty Spivak (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1976) e ainda a introdução à tradução por Barbara Johnson, em Jacques Derrida, Dissemination (University of Chicago Press, 1972, 1981), xiii.
22. Como Derrida o coloca, “este conceito de photograph photographs todas as oposições conceptuais, denuncia uma relação de assombramento que é, talvez, constitutiva de todas as lógicas.” Jacques Derrida, 'The Deaths of Roland Barthes,' (1981), em Hugh Silverman ed., Philosophy and Non-Philosophy since Merleau-Ponty (Routledge, 1988), 267. Barthes admite naturalmente em 'Rhetoric of the Image' que a distinção anterior entre os seus termos, denotação e conotação, tinha apenas “validade operacional”, análoga aquela que permite a distinção, no signo linguístico, entre significado e significante, (muito embora ninguém seja capaz de separar a ‘palavra’ do seu significado, excepto pelo recurso à metalinguagem da definição). Ver 'Rhetoric,' 37.
Para um comentário provocador à definição ‘impossível’ de signo de Saussure, ver ainda Vicki Kirby, 'Corporeal Complexity: The Matter of the Sign,' Telling Flesh: The Substance of the Corporeal (New York & London, Routledge, 1997), 7 - 50, 163-169.
23. Alguns exemplos desta viragem ‘para dentro’ no estudo da história da fotografia podem incluir a publicação do livro de Susan Sontag On Photography em 1977, a edição especial do Nouvel Observateur sobre fotografia, publicado em Novembro de 1977, o estabelecimento de uma colecção de fotografia no Musée d'Orsay em Paris, em 1978, a edição especial da revista October, dedicado à fotografia em 1978, a série de palestras organizada em 1979 pelo Art Institute de Chicago, entitulada “Towards the New Histories of Photography”, a edição especial dos Cahiers de la Photographie publicados em 1981, sob o título 'Quelle histoire la Photographie!,' e a criação do Centre de la Photographie em Paris em 1982.
24. Rosalind Krauss, 'Reinventing the Medium,' Critical Inquiry, 25: 2 (Inverno 1999), 295
25. Ver, por exemplo, Anne-Marie Willis, 'Digitisation and the Living Death of Photography,' em Philip Howard ed., Culture, Technology & Creativity in the Late Twentieth Century (London: John Libbey, 1990), 197-208; Geoffrey Batchen, 'Burning with Desire: The Birth and Death of Photography,' Afterimage, 17: 6 (January 1990), 8-11; William J. Mitchell, The Reconfigured Eye: Visual Truth in the Post-Photographic
Era (Cambridge: MIT Press, 1992); Geoffrey Batchen, 'On Post-Photography,' Afterimage, 20: 3 (October 1992), 17; os vários ensaios em Hubertus V. Amelunxen et al. eds., Photography After Photography: Memory and Representation in the Digital Age (Siemens Kulturprogramm & G+B Arts, 1996).
26. Joan Fontcuberta, 'Revisiting the Histories of Photography,' em Joan Fontcuberta ed., Photography: Crisis of History (Barcelona: Actar, 2003), 10-11.
Cópia manuscrita de ‘Camera Lucida: Another Little History of Photography,’ em Robin Kelsey and Blake Stimson eds., The Meaning of Photography (Williamstown: Clark Art Institute, 2008), no prelo.
Tradução de Rita Conde